O principal ponto que mostra a importância da Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE) é que ela, no Brasil, é uma solução inovadora para a gestão de riscos.
Afinal, basta você se fazer a seguinte pergunta:
“E se os riscos das operações de seguro e resseguro pudessem ser financiados pelo mercado de capitais?”
Bem, entre os motivos de a SSPE ser o que chamamos de “solução inovadora” está no fato de que ela, ao emitir uma Letra de Risco de Seguro, transfere parte dos riscos de um seguro, por exemplo, para o mercado de capitais.
Como traz Marcos Falcão, CEO do IRB(Re), a “emissão das letras de seguro permite que riscos do mercado segurador sejam absorvidos pelo mercado de capitais”.
Embora essa seja uma explicação superficial, o que queremos destacar é que uma SSPE amplia a capacidade de cobertura para eventos de grande impacto (as catástrofes naturais e os riscos mais complexos exemplificam isso).
Fora isso, uma SSPE também cria novas oportunidades para os profissionais do mercado financeiro: os investidores.
Mas esses, claro, são só alguns detalhes sobre esse assunto.
Nós nos aprofundaremos ao longo deste artigo e, para isso, vamos começar esclarecendo…
O que é uma Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE)?
Uma Sociedade Seguradora de Propósito Específico, também conhecida pela sigla SSPE, é uma seguradora criada com a finalidade exclusiva de fazer — e fazer isso de forma independente patrimonialmente — determinadas operações de seguros ou resseguros.
Em outras palavras, seu propósito não é vender uma ampla variedade de produtos de seguros. Quem faz isso é uma seguradora tradicional.
O objetivo de uma SSPE é assumir riscos específicos de uma ou mais seguradoras ou resseguradoras e financiá-los por meio de uma Letra de Risco de Seguro (LRS).
Qual a diferença entre uma SSPE e uma seguradora tradicional?
Citamos isso brevemente acima, mas detalhando um pouco mais agora…
Uma seguradora tradicional tem um portfólio diversificado de seguros e atende a clientes de forma contínua. Ela oferece várias proteções: automóvel, vida, empresarial, entre outras.
Do outro lado da moeda, temos a SSPE, cujo objetivo é específico e limitado, afinal de contas, ela é criada exclusivamente para assumir certos riscos de uma ou mais seguradoras ou resseguradoras e emitir Letras de Risco de Seguro (LRS) para financiar tais riscos.
Outra diferença é o patrimônio separado: a SSPE mantém capital próprio independente das seguradoras cedentes (essas são as empresas que originalmente assumem os riscos de seguro ou resseguro).
Colocando isso em termos mais simples, esse capital independente garante que os recursos destinados à cobertura de riscos fiquem protegidos e não se “misturem” com outros ativos.
A história, porém, é outra quando se trata das seguradoras tradicionais, visto que elas gerenciam todos os seus riscos dentro de um mesmo balanço patrimonial.
Como funciona uma Sociedade Seguradora de Propósito Específico?
A melhor forma de a gente entender o funcionamento de uma Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE) é olhando para as etapas nas quais ela se envolve.
Para começar, vamos imaginar que uma SSPE assume os riscos de uma seguradora, que, neste contexto, passa a ser chamada de contraparte.
E é neste ponto que entra um detalhe muito importante: para financiar tais riscos, essa SSPE faz a emissão de uma Letra de Risco de Seguro (LRS), um título vendido a investidores do mercado de capitais.
Ao comprar esse título, o investidor fornece recursos que vão ser usados para cobrir os riscos que as seguradoras cedentes transferiram para a SSPE.
“E onde entra aquilo sobre ‘patrimônio independente’ falado antes?”
É aqui que isso fica mais claro: como falamos, a SSPE mantém patrimônio próprio e separado do das seguradoras cedentes. Certo? Certo.
É isso que garante que os recursos destinados exclusivamente para a cobertura dos riscos fiquem protegidos e não sejam misturados, em hipótese alguma, com outros ativos.
Entendeu a importância de ser patrimônio independente?
Outra coisa: os recursos da LRS e os prêmios recebidos das seguradoras são usados para constituir provisões técnicas, como:
- Provisão de Prêmios Não Ganhos (PPNG);
- Provisão de Sinistros a Liquidar (PSL);
- Provisão de Sinistros Ocorridos e Não Avisados (IBNR);
- Provisão de Garantia de Rentabilidade (PGR);
- Provisão técnica de insuficiência.
São justamente essas provisões técnicas que vão assegurar que haja fundos suficientes para indenizações no futuro.
E os investidores… de que forma eles se beneficiam?
Acontece que os investidores que compram as Letras de Risco de Seguro recebem uma remuneração.
Essa remuneração, no entanto, depende de um aspecto específico: se vai acontecer ou não algum sinistro enquanto a LRS estiver vigente.
“Então… se não tiver nenhum sinistro, o retorno tende a ser maior para o investidor?” Exatamente isso.
Porém, o inverso disso é que, se tiver sinistros, parte do capital ou até todo o capital fornecido pelos investidores pode ser usada para cobrir os pagamentos aos segurados.
A lógica por trás disso é que, para os investidores, tudo isso trata-se de um investimento: pode ser positivo ou negativo.
Independência patrimonial em SSPE: como funciona?
A independência patrimonial em uma SSPE, sobre a qual já falamos antes, é o que traz segurança tanto para os investidores quanto para as contrapartes cedentes de risco.
Isso foi esclarecido no exemplo do funcionamento que tratamos no tópico anterior, mas vamos olhar para outras nuances agora.
Em uma Sociedade Seguradora de Propósito Específico, cada operação de aceitação de risco é financeiramente segregada.
O conceito de “financeiramente segregada” é só uma forma de dizer que os recursos levantados para cobrir uma certa carteira de riscos — e, como explicando, isso é feito por meio da emissão da Letra de Risco de Seguro — ficam separados do patrimônio da própria SSPE e de outras operações que ela possa realizar.
Essa segregação patrimonial significa que, em caso de sinistros ou inadimplência de uma operação, os recursos de outras operações ou do capital da SSPE não são afetados.
O que acontece na prática?
Cada emissão de LRS tem seu próprio patrimônio independente e esse patrimônio é capaz de honrar integralmente os compromissos assumidos com os investidores e contrapartes.
Além disso, essa independência patrimonial protege os investidores da LRS, já que eles não têm direito sobre o patrimônio geral da SSPE, só sobre os recursos vinculados à operação específica da qual participam.
Em um bom português, quer dizer que o risco que o investidor assume fica limitado aos recursos alocados naquela operação. Ele não se expõe a outros riscos da SSPE.
Qual o objetivo exclusivo da SSPE?
O objetivo exclusivo de uma Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE) é fazer operações de aceitação de riscos de seguros, previdência complementar, saúde suplementar, resseguro ou retrocessão, de forma patrimonialmente independente, e financiar esses riscos por meio da emissão de Letras de Risco de Seguro (LRS).
Ou seja, a SSPE só existe para securitizar riscos específicos e captar recursos no mercado de capitais vinculados a essas operações.
E como explicamos antes, esse foco exclusivo permite à SSPE criar um patrimônio independente para cada operação.
Lei 14.430/2022: como ela regula a SSPE no Brasil?
A Lei 14.430/2022 é o marco legal que autoriza e regulamenta a criação e operação das Sociedades Seguradoras de Propósito Específico (SSPE) no Brasil.
Seu art. I vai deixar claro justamente o propósito da legislação ao dizer que ela serve para dispor sobre:
- A emissão de Letra de Risco de Seguro por SSPE;
- As regras gerais sobre a securitização de direitos creditórios e a emissão de Certificados de Recebíveis;
- A flexibilização da exigência de que apenas instituições financeiras possam prestar serviços de escrituração e custódia de valores mobiliários.
Ou seja, é essa lei que estabelece as bases para a SSPE atuar exclusivamente na aceitação de riscos, sejam eles relativos a:
- Seguros;
- Previdência complementar;
- Saúde suplementar;
- Resseguro;
- Retrocessão.
A lei também atribui ao Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) o poder de regulamentar limites, condições de emissão de LRS, critérios para cessão de riscos, registro das letras e exigências de demonstrações financeiras e auditoria.
Além disso, também traz vários aspectos que regulam o funcionamento da SSPE e LRS.
Um deles é que a SSPE funciona como um canal de transferência e securitização de risco — a lei esclarece isso ao dizer que a “a SSPE não responderá diretamente perante o segurado, o participante, o beneficiário ou o assistido pelo montante assumido” (art. 5).
Simplificando, a Sociedade Seguradora de Propósito Específico vai gerenciar os riscos via LRS, mas não vai responder diretamente aos segurados ou beneficiários.
Afinal, a responsabilidade pelo pagamento das indenizações permanece com a seguradora, ressegurador, entidade de previdência ou operadora de saúde cedente do risco.
Há, porém, uma exceção para isso: se a contraparte falir/ficar insolvente e ainda não tiver feito esse pagamento, aí sim a SSPE pode pagar diretamente ao segurado ou beneficiário a parte da indenização correspondente ao risco transferido.
Como obter autorização da Susep para criar uma SSPE?
Para criar uma Sociedade Seguradora de Propósito Específico no Brasil, o primeiro passo é conseguir a autorização da Susep.
O processo, em linhas gerais, segue três fases. Vamos detalhar a seguir:
Consulta prévia do projeto
Antes de iniciar a constituição da sociedade, os interessados têm de apresentar para a Susep um projeto detalhado.
Nesse projeto tem que constar informações sobre os acionistas, estrutura societária, plano de negócios e operações que pretendem securitizar via LRS.
Com isso em mãos, a Susep vai analisar a documentação e, se aprovada, emitir uma carta homologatória. É ela que vai permitir prosseguir com a constituição da SSPE.
Entrevista técnica com os acionistas
Consulta prévia aprovada?
O que acontece em seguida é que os principais acionistas passam por uma entrevista técnica.
Aqui, eles são avaliados considerando aspectos como idoneidade, experiência no setor de seguros e capacidade de gestão dos riscos securitizados.
A importância dessa etapa está no fato de que ela garante que os responsáveis têm qualificação e responsabilidade para administrar uma SSPE.
Autorização para funcionamento
Depois que forem concluídas as etapas anteriores e de ser feita a constituição formal da sociedade, a SSPE vai solicitar à Susep a autorização final para operar.
A Susep, então, vai verificar se a empresa cumpre todas as exigências legais, contábeis e de governança. Esse processo vai garantir que a sociedade possa emitir Letras de Risco de Seguro (LRS) com segurança para investidores e contrapartes.
Quais riscos podem ser assumidos por uma SSPE?
Uma Sociedade Seguradora de Propósito Específico pode assumir diferentes tipos de riscos. Não se trata apenas daqueles atrelados a seguros.
Os riscos são:
Seguros
A SSPE pode assumir riscos de apólices de seguros. É o caso do:
Aliás, a primeira LRS no Brasil foi justamente envolvendo a securitização de riscos de um seguro garantia. O valor dela foi R$ 33,7 milhões e ela foi emitida pela Andrina Sociedade Seguradora de Propósito Específico.
Resseguros
No campo do resseguro, a SSPE atua como intermediária para aceitar ou transferir riscos entre seguradoras e resseguradoras.
Nesse sentido, os riscos de grande porte ou complexos, que poderiam impactar negativamente o balanço de uma seguradora, são securitizados e levados ao mercado de capitais. Simples assim.
A SSPE, portanto, administra os recursos provenientes dos investidores que compram as LRS e, ao fazer isso, garante que haja capital disponível para cobrir algum eventual sinistros.
Previdência
A SSPE também pode securitizar riscos relacionados a planos de previdência complementar, como a possibilidade de aumento inesperado no número de benefícios a serem pagos ou variações que afetem a solvência do plano.
Ao transferir esses riscos para investidores via LRS, as entidades responsáveis pelos planos de previdência conseguem reduzir a pressão financeira sobre seus balanços. Todo esse cenário, claro, torna o sistema mais sustentável.
Saúde suplementar
Os riscos de planos de saúde privados podem ser complexos e imprevisíveis. Estamos falando de gastos médicos extraordinários, aumento de sinistros hospitalares ou eventos que impactem a sustentabilidade financeira das operadoras.
A SSPE, nesse cenário, permite que esses riscos sejam compartilhados com investidores através da emissão de LRS.
Dúvidas frequentes
Falamos de diversos pontos relativos à Sociedade Seguradora de Propósito Específico.
Algumas dúvidas mais específicas, porém, podem acabar surgindo. Entenda mais a seguir.
Como funciona o financiamento de riscos via LRS?
O financiamento de riscos via LRS permite que a Sociedade Seguradora de Propósito Específico transfira riscos ao mercado de capitais.
Nesse ponto, os investidores profissionais compram os títulos, compartilhando os riscos e recebendo remuneração caso não ocorram sinistros.
O dinheiro captado forma reservas financeiras para pagamento de indenizações, se for necessário.
Qual a relação entre SSPE, investidores e seguradoras cedentes?
A SSPE intermedeia o processo, recebendo riscos das seguradoras cedentes e emitindo LRS aos investidores.
Enquanto isso, as seguradoras cedentes continuam responsáveis pelas apólices, mas compartilham parte do risco.
Os investidores, por sua vez, assumem o risco das LRS e recebem prêmios e rendimentos, ao passo que a SSPE e as seguradoras otimizam o capital e ampliam sua capacidade de cobertura.
Ficou com alguma dúvida?