O que é a Letra de Risco de Seguro, o mais novo instrumento de investimento no mercado financeiro brasileiro?
Tudo começou com o IRB Brasil RE, que atua compartilhando riscos de seguros com outras seguradoras. Foi ela quem fez a primeira emissão de Letra de Risco de Seguro no país.
Nesse sentido, alguns questionamentos começaram a surgir sobre esse tema, como: por que a LRS (como também é chamada) é tão vantajosa? Para quem? Para as seguradoras? Investidores? Ambos?
A propósito, sobre isso, Cesar Cavalcante, presidente da Andrina SSPE, vê esse instrumento como “uma grande oportunidade de fortalecer nosso mercado de seguros e integrar o Brasil às práticas internacionais”.
Ao longo deste conteúdo, você vai entender todos os detalhes disso.
O que é a Letra de Risco de Seguro?
A Letra de Risco de Seguro (LRS), inspirada no Insurance Linked Securities (ILS), é um título de crédito, emitido exclusivamente por uma SSPE (Sociedade Seguradora de Propósito Específico), que serve para captar recursos no mercado financeiro.
Em palavras mais simples, é um meio que uma seguradora ou resseguradora, por exemplo, tem para, quando necessário, transferir riscos para o mercado financeiro.
Vamos explicar melhor ao longo deste artigo, porém, a princípio, a lógica por trás se resume nestes 3 pontos:
- A LRS é um título emitido para transferir riscos de seguros ao mercado financeiro;
- Investidores aplicam seu dinheiro e, se não houver sinistros, recebem juros atrativos;
- Se houver sinistros, parte do valor é usado para cobrir tais prejuízos.
E é por isso que essa inovação, naturalmente, acaba aproximando o mercado de seguros do mercado de capitais.
Aliás, a Lei 14.430, sobre a qual abordamos com mais detalhes no próximo tópico, define, em seu art. 12, que a Letra de Risco de Seguro trata-se de um:
“Título de crédito nominativo, transferível e de livre negociação, representativo de promessa de pagamento em dinheiro, vinculado a riscos de seguros e resseguros”.
Complementar a isso, seu art. 2 conceitua a LRS como “instrumento de dívida vinculada a riscos de seguros e resseguros”. Ela, afinal, representa um compromisso financeiro que a SSPE assume com os investidores.
Nesse sentido, é importante ressaltar que o valor da Letra de Risco de Seguro precisa ser exatamente igual ao valor dos riscos que a SSPE está assumindo com os seguros ou resseguros.
A lei que citamos há pouco é clara nisso ao afirmar que os riscos que a SSPE aceita devem ser “integralmente e no mesmo montante, cobertos pela LRS emitida” (art. 12, § 2º).
O que diz a Lei 14.430, de 3 de agosto de 2022?
A Lei 14.430, de 3 de agosto de 2022, trata justamente a respeito da “emissão de Letra de Risco de Seguro (LRS) por Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE)”.
Em vários trechos, ela levanta aspectos importantes sobre a LRS, como o fato de ela precisar ter, no mínimo, os seguintes dados:
- Nome e número de inscrição no CNPJ da SSPE que emitiu a LRS;
- Nome e número de inscrição no CNPJ da contraparte que cede os riscos de seguros e resseguros à SSPE;
- Número de ordem, local, data de emissão e data do início da cobertura dos riscos de seguros e resseguros;
- Data de vencimento e data de expiração da cobertura dos riscos de seguros e resseguros;
- Denominação “Letra de Risco de Seguro”;
- Tipo de cobertura e ramo de seguro;
- Descrição dos riscos cedidos pela contraparte, inclusive quanto aos locais em que eles se encontram;
- Valor nominal emitido e valor da perda máxima;
- Moeda do valor nominal emitido;
- Nome do titular;
- Taxa de juros e datas de sua exigibilidade, admitida a capitalização;
- Remuneração da operação a ser paga para a SSPE;
- Descrição dos ativos que lastreiam a LRS;
- Identificação do contrato ou da escritura de emissão da LRS;
- Identificação do agente fiduciário, se houver.
Junto a isso, a legislação também cita outros pontos relativos à Letra de Risco de Seguro — e a obrigatoriedade da sua emissão “sob a forma escritural, por meio de lançamento em sistema eletrônico da SSPE emissora” é uma delas (art. 14.).
Outro detalhe é que os “investidores titulares da LRS não poderão requerer a falência ou a liquidação da SSPE” (art. 6).
E o que isso quer dizer?
Que nenhum deles não pode pedir a falência ou o fechamento da empresa que emitiu o título (no caso, a SSPE) ainda que ela não consiga pagar o que prometeu no final da operação.
O que diz a Resolução CNSP 453/2022?
A Resolução CNSP 453/2022 aborda, especificamente, sobre a “emissão de Letra de Risco de Seguro por meio de Sociedade Seguradora de Propósito Específico”.
Alguns fatores importantes mencionados nela são as partes e os conceitos envolvidos em uma emissão de LRS. Os principais são:
- SSPE: empresa criada só para assumir — ao emitir uma LRS e captar recursos de investidores — os riscos de seguros, previdência ou saúde de outras instituições;
- Contraparte: quem repassa os riscos para a SSPE, podendo ser uma seguradora, resseguradora, operadora de saúde, entidade de previdência complementar ou até empresas públicas e privadas, do Brasil ou de fora;
- Contrato de transferência de riscos: documento que formaliza o acordo entre a SSPE e a contraparte. Nele, estão os riscos sendo transferidos;
- Operação de securitização: processo que pauta tudo o que falamos até aqui, ou seja, a SSPE, emitindo LRS, assume os riscos e capta dinheiro com investidores;
- Prêmio de LRS: valor que a contraparte paga para a SSPE como parte do contrato de transferência de risco;
- Garantia de securitização: dinheiro que a SSPE arrecada com os investidores para garantir o pagamento caso os riscos segurados realmente aconteçam;
- Patrimônio independente da operação: é uma espécie de “caixa separado” criado para cada operação que serve exclusivamente para cobrir os riscos e obrigações de uma emissão de uma Letra de Risco de Seguro específica;
- Exposição Máxima ao Risco (EMR): valor total que a SSPE tem que pagar caso todos os eventos segurados aconteçam (isso inclui possíveis despesas extras com sinistros).
Além disso, a Resolução CNSP 453/2022 cita que a SSPE tem de designar um atuário responsável técnico, que cuida dos cálculos e informações atuariais, um diretor responsável técnico, que garante o cumprimento das normas atuariais perante a Susep, e, ainda, um diretor responsável pela contabilidade.
Qual a função da LRS no mercado segurador?
Nas palavras do CEO do IRB, Marcos Falcão, a Letra de Risco de Seguro “permite que os riscos do mercado segurador sejam absorvidos pelo mercado de capitais”.
Por conta disso, continua Marcos Falcão, a Letra de Risco de Seguro é, sem dúvidas, um “marco inédito para a transferência de riscos no Brasil”.
Afinal de contas, temos, nesse contexto, dois lados que acabam se aliando:
- O mercado brasileiro de seguros, que está em crescimento;
- Os investidores em busca de opções de renda fixa mais seguras, que não sofram tanto com as mudanças na economia.
É por isso que a Letra de Risco de Seguro favorece os dois. Ela cria, estrategicamente, uma parceria vantajosa que, de um lado, fortalece o setor de seguros, e, do outro, diversifica as opções de investimento.
Vale falarmos, ainda, que há cenários em que a LRS deixa de existir, ou seja, quando sua obrigação chega ao fim. Conforme o art. 12, § 6º, da Lei 14.430, isso acontece quando:
- Não houver mais riscos em aberto;
- Não houver sinistros a pagar;
- Não houver mais dinheiro a ser devolvido aos investidores.
Como funciona a Letra de Risco de Seguro na prática?
Para deixar a Letra de Risco de Seguro ainda mais fácil de entender, ele funciona como uma forma de financiamento.
Vamos partir do seguinte pensamento: digamos que uma seguradora não quer assumir os riscos de um seguro sozinha. Ela, então, decide compartilhá-los com investidores.
Vamos colocar isso dentro de um cenário: imagine que essa seguradora oferece uma proteção contra enchentes em uma grande região urbana. Se acontecer um desastre natural, ela teria que pagar milhões em indenizações de uma só vez. Certo?
Com a Letra de Risco de Seguro (LRS), no entanto, essa seguradora pode dividir esse risco com o mercado financeiro.
A propósito, como destaca o repórter Sérgio Tauhata, a Letra de Risco de Seguro é “apontada por especialistas como uma das potenciais soluções para ajudar a reduzir impactos dos eventos climáticos extremos”.
Mas voltando ao exemplo…
É nesse ponto que ocorre, mediante a LRS, a transferência de riscos à SSPE, que, como cita o art. 6 da Resolução CNSP 453/2022, “poderá ser feita por negociação direta com a contraparte ou através de corretor de seguros pessoa jurídica ou corretora de resseguros”.
Uma vez feita a emissão da LRS, só há dois cenários possíveis. Vamos detalhá-los a seguir:
Cenário 1
O primeiro cenário é aquele em que nenhuma enchente acontece.
Aqui, o investidor recebe conforme o lucro combinado. (Lembra que falamos que a LRS, para os investidores, é um mecanismo de investimento? Esse cenário esclarece bem isso.)
No entanto, é importante termos em mente que esse retorno para os investidores não é garantido e que o valor pode variar conforme o risco assumido. O art. 8 da resolução, em seu parágrafo único, esclarece:
“A LRS poderá gerar valor de resgate inferior ao valor de sua emissão, em função de eventual ocorrência de eventos cobertos decorrentes de riscos de seguros e resseguros aceitos ou por seus critérios de remuneração”.
Outro detalhe, igualmente relevante, é que o resgate da Letra de Risco de Seguro (LRS) só vai acontecer depois que todas as responsabilidades relacionadas ao contrato de transferência de riscos forem cumpridas ou encerradas (art. 12, V).
Cenário 2
Há, ainda, o segundo cenário: se a enchente (o sinistro) ocorrer, o valor captado será usado para pagar as indenizações. Nesse caso, o investidor pode perder parte ou até todo o valor investido.
Como explica Jairo Saddi, doutor em Direito Econômico pela USP, quando acontece um sinistro, os recursos da SSPE são usados para pagamento, e isso, é claro, pode acabar implicando todo o capital aportado.
Apesar disso, continua Jairo, “o investidor está limitado e não é solidário com mais obrigações se o capital for insuficiente”.
Quais são as vantagens da LRS?
Em termos de vantagens, a Letra de Risco de Seguro (LRS) favorece as seguradoras/resseguradoras e, claro, os investidores. Como falamos lá no começo, trata-se de um instrumento que une o mercado de seguros com o mercado de investimentos.
Vamos já entender as nuances acerca disso, mas há o ponto central que fundamenta a importância da Letra de Risco de Seguro.
Como ressalta Leonardo Betanho, superintendente de produtos de Balcão da B3, ela é uma “nova oportunidade para captação de recursos pelas seguradoras e uma nova opção para a diversificação de portfólio dos investidores”.
Ou seja, enquanto as seguradoras têm mais fôlego para operar, os investidores têm uma alternativa de investimento com bom retorno e menor exposição às oscilações tradicionais da economia.
Entenda os detalhes a seguir:
Para seguradoras e resseguradoras
O primeiro benefício da Letra de Risco de Seguro é que sua emissão libera parte do capital que ficaria travado como exigência regulatória.
Ou seja, uma seguradora, por exemplo, tem mais fôlego para emitir novas apólices e ampliar sua operação.
Além disso, com a transferência de parte do risco para os investidores, há um melhor equilíbrio do balanço financeiro. Isso é estratégico para o crescimento sustentável da seguradora/resseguradora.
Como traz Marcos Couto, CEO da Alper Seguros, a LRS vai ampliar a “capacidade para a transferência de riscos de seguros, como um modelo complementar ao do resseguro”.
Ele completa dizendo que, embora o Brasil ainda não tenha um mercado completamente aberto de resseguro (como acontece nos mercados internacionais mais maduros), “a LRS pode ser uma solução complementar”.
Para investidores
E os investidores? Quais vantagens ganham?
A Letra de Risco de Seguro é, para eles, um investimento em renda fixa com retorno atrativo e ainda tem o diferencial de ser pouco sensível a variações em juros, inflação ou câmbio (as variáveis macroeconômicas).
Isso, inclusive, é citado por Fausto Morais, superintendente de produtos estruturados do Itaú BBA, quando ele diz que os ativos que não seguem as oscilações (aqueles descorrelacionados com juros ou câmbio) “são altamente desejados pelos fundos de investimento, especialmente em tempos de volatilidade”.
E mais, a Letra de Risco de Seguro moderniza o mercado de capitais, além do mais, incentiva a criação de soluções financeiras mais avançadas e amplia, para investidores institucionais, o leque de investimentos disponíveis no Brasil.
Letra de Risco de Seguro: parceria estratégica entre o mercado de seguros e o mercado de capitais
Como você notou ao longo da leitura, a Letra de Risco de Seguro (LRS) é um grande marco. Afinal, ela conecta o setor de seguros com aqueles investidores em busca de diversificação e proteção contra a volatilidade tradicional da economia.
Nesse sentido, em termos do que se esperar nos próximos anos, podemos citar Rodrigo Botti, CEO da Terra Brasis, quando ele diz que “o mercado de financiamento agrícola e imobiliário no Brasil, nos últimos 20 anos, cresceu muito através dos instrumentos financeiros chamados CRIs e CRAs e o mesmo pode vir a acontecer no mercado de seguro com a LRS”.
Para nós, o que fica evidente é que a LRS inaugura uma nova etapa no desenvolvimento de instrumentos financeiros no Brasil. Não há dúvidas sobre isso. Ela, como explicamos durante o texto, une segurança regulatória e alinhamento de interesses entre o mercado segurador e os investidores.
Ficou com alguma dúvida?